domingo, 5 de julho de 2020

FELIZ ÚLTIMO ANIVERSÁRIO



     Era um velho boneco abandonado por todos aqueles que um dia sorriram numa mesa de bar: jovens despreocupados com uma vida que parecia não ter fim. A inesgotável força de um pássaro no auge da vida, o que poderia dar errado? O velho que você conheceu no primeiro parágrafo... Olhe bem suas rugas, o pó na careca saliente demonstrando um sonhador que por pouco não sucumbiu à vasta estupidez de Ícaro.  
Esse senhor sempre teve um “complexo de boneco”, em outras palavras, ele não andava com as próprias pernas sem ouvir de seus amigos se era a coisa certa a fazer. Um pobre coitado...
    Contudo, devo admitir que era um ótimo observador: ele sabia exatamente quando um camarada tinha feito merda (ele sentia a bosta a quilômetros de distância). Isso foi a glória e a destruição de sua flamejante, porém confusa juventude.
     Sua visão apurada inibiu o “complexo de boneco”, pois não conseguia guardar os segredos como o do cara da rodinha de violão (que só tocava Legião e Raul como distração para roubar a grana de todos os bêbados que desmaiavam na décima música). Chegou num certo ponto que nosso x9 era tratado com sarcasmo, além do fato de que muitos se aproveitaram de que era uma versão masculina de “Maria vai com as outras”: fizeram tomar pinga e comer o próprio cocô, um verdadeiro fantoche.
    Agora ele aguardava sua partida para ser o prato de vermes e bactérias no subsolo de um jardim. – Quem sabe se eu tivesse visto que o programa do João Kléber estava derretendo meu cérebro... Terapia poderia ter sido uma boa – pensou por um momento antes de lembrar que não existem máquinas do tempo.

 - Não entendo você, velho! – disse para... Não preciso dar detalhes, né?

- De quem é essa voz? Por que mamãe não contou que eu era esquizofrênico?

- Eu não sou sua mãe, seu animal! Já ouviu falar de um narrador?!

- Hum... O que o Galvão Bueno faz na minha casa? VAI EMBORA!

- Que referência medíocre de narração!

- Foi mal aí, Sheldon Cooper!

- Vai a merda seu velho burro! O Sheldon não é nem narrador, só falta você me falar que eu sou o Neymar Jr.

- E não é?

- Cacete... Vou direto ao ponto: por que está sorrindo?

- Ah! Por que não disse logo? Estou esperando minha festa começar!

- Festa?

- É meu aniversário! Contratei até uma prostituta!

- Do que você tá falando? Sua pipa tá toda ferrado, vovô!

- Não é esse tipo de prostituta! Vou pagar com minha vida! Nunca fizeram uma festa de aniversário para mim... Então é a melhor forma de agradecer.

- Espera! Então ela é...!

- Isso aí!

    Depois dessa conversa, a tal “prostituta” chegou: estava num manto colorido com três chapeuzinhos de cone com um bolo de chocolate. Fiquei sem graça e coloquei o chapéu. Acendemos velas, cantamos uma versão macabra (porém esperada) de “Parabéns pra você” onde no final os dois gritaram de felicidade: Feliz último aniversário. Assim, cada um foi para seu canto mais acolhedor.

28/05/20







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