Hoje é um dia onde o sol não é o
mesmo, onde a vida está ao contrário de seu próprio nome. Os céus denunciam o
absurdo em pinceladas densas de cinza, cor ingrata a roubar a graça de um
sorriso.
Agora sinto náuseas num amanhecer tão triste, é uma pena que não posso
nem ao menos me fantasiar como um trabalhador padrão, as ruas caóticas que
enchiam meu horizonte, agora só me enchem de lágrimas. Quem diria que teria
saudades de tudo que achava sem graça, banal...
Uma
máscara, uma simples máscara tornou-se o abismo que separa o normal deste
absurdo. Minha vida foi apenas um sonho? Será que sempre fui um figurante de The Walking Dead? O mundo não é mais o
mesmo, uma guerra contra um inimigo invisível... Não sabemos mais o que veremos
no próximo dia.
De
qualquer forma, não conseguia voltar a dormir vendo o clima deprimente que me
abraçava com seus ventos gélidos.
Minha mãe logo me abordou dizendo que iríamos visitar a Tina no hospital
veterinário (a cachorrinha estava sofrendo muito no dia anterior, não tinha nem
forças para ficar de pé). Chegando lá, pausei a música New Sansation do INXS que ouvia de forma descontraída no Spotfy
para descer naquele hospital.
Estava
calmo por fora, ouvindo um cachorro latir para minha cara de esquisitão. Mas
por dentro, estava apreensivo em ver aquilo que já imaginava há alguns dias.
Não demorou muito para sermos guiados até a Tininha.
Aquele
lugar parecia um presídio canino, mesmo sabendo que todos eram muito bem
tratados as grades pretas me deixavam incomodado. Ela estava deitada,
respirando com dificuldade e com seus olhos cegos entre abertos. Não consigo
descrever essa cena de uma forma que traduza os meus sentimentos de forma
realista. Às vezes fico com raiva de ser tão insensível. Minha mãe e irmão
fizeram um último carinho nela... Até pensei em ter feito, porém não queria
chorar na frente dos dois.
Parecia
que os sentimentos de cada dia dessa quarentena estavam transformando minha
vida num imenso borrão cinza, uma angústia sufocante de um antigo amante da
Morte. Me senti um idiota preso na sensação normal de: “e se eu fizesse isso”
“e se não fizesse aquilo”.
Quando
eu era um moleque de 14 anos, eu via a morte com olhos de um estúpido poeta da
Segunda Geração do Romantismo: a única saída, a única coisa que vai me abraçar,
a morte é algo fascinante, provocador, excitante e belo. No fundo era uma forma
de justificar o desejo de vender minha alma para a mais profunda escuridão.
Sonhava em me matar na frente do todos da turma para fazer uma cruz na testa de
minha paixonite; depois um sonho mais maduro de ver com um grande sorriso todos
que estão chorando na minha cova. Era uma ideia idealizada dessa coisa
horrível.
Mesmo
que em pleno 2020 eu tenha acabado de vez com essa visão doentia, ainda era
algo muito distante da minha realidade (o que poderia ser uma explicação para
meu fascínio pela morte: quanto mais desconhecido, mais intrigante é). Agora,
essa criatura idealizada veio ceifar a vida de um ser tão próximo quanto um
irmão. 8 anos alegrando essa casa com seu jeito único.
Após
a notícia, minha mãe e irmão choraram litros de lágrimas. Entretanto, mesmo
colocando óculos escuros para esconder o choro, ele veio como um fio lento de
água deslizando sobre minha pele.
“Fui
o pior irmão que ela poderia ter”, essa foi a frase que mais sobrevoava meu
coração, o maior de todos os arrependimentos dessa minha vida. Nesse momento
estava bem claro que todos criaram cordões umbilicais com aquela criaturinha: 8
anos ceifados, todavia temos agora 8 anos cheios de lembranças e sorrisos.
Resolvi
raspar a cabeça para tentar aliviar o estress:
queria renascer com tudo isso, aprender a aproveitar nossa vida junto a que
amamos com ouvidos prontos a acolher, broncas precisas, para depois abrir um
colorido sorriso. Ninguém está sozinho quando se tornam um caçador de cores.
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